Comportamento dos motores – Parte 5 – Quantidade de cilindros
A quantidade de cilindros diz muito sobre o comportamento de um motor. É basicamente o que diferencia a aplicação de determinados tipos de motores em determinados tipos de motos.
Continuando a série de artigos sobre a capacidade dos motores, hoje vou falar um pouco sobre a diferença que faz a quantidade de cilindros em um motor.
Na época que a Yamaha trouxe a MT-03 para o Brasil, muita especulação aconteceu, pois muita gente confundia sua categoria com a da Honda Hornet, achando que eram motos concorrentes (pelo menos no preço, eram sim). Mas são motos completamente diferentes. A MT-03 tinha 660 cilindradas e 1 cilindro, com potência máxima de 48cv, enquanto a Hornet tinha 600 cilindradas e 4 cilindros, com potência máxima de 101 cavalos. Bem diferente, não?
Como falei nos artigos anteriores, o ciclo do motor 4 tempos são a Admissão, a Compressão, a Ignição e a Exaustão. Em motores de 1 único cilindro, a ignição ocorre apenas uma vez a cada duas voltas, e portanto, nos outros 3 tempos, o motor não está produzindo força, está apenas usando a força cinética gerada pela ignição para girar. A adição de um novo cilindro ao mesmo eixo (virabrequim) dá a possibilidade do motor executar duas explosões em cada ciclo de duas voltas, ou seja, uma explosão em cada volta, sendo uma em cada cilindro. É como se fossem dois motores diferentes trabalhando juntos para girar um mesmo eixo.
Nos motores de 2 cilindros, ocorrem duas explosões por ciclo, sendo uma em cada cilindro. Enquanto o cilindro 1 está executando o tempo de Ignição, o cilindro 2 está executando o tempo de Admissão, mas em vez de o tempo de admissão acontecer usando a força cinética gerada no tempo de ignição do cilindro 2, ela é feita usando a força que está sendo gerada no mesmo momento no cilindro 1, que está no tempo de ignição. Desta forma, o motor trabalha de forma mais uniforme, pois a perda de energia cinética ocorre apenas em um tempo, e não em 3 como em motores de 1 cilindro.
A mesma regra se aplica a motores de 3, 4, 5 ou 6 cilindros. Quanto mais cilindros são adicionados ao motor, mais podemos distribuir os tempos do motor entre o ciclo. Por exemplo, em motores de 4 cilindros, o cilindro 1 está no tempo de admissão, o 2 está no tempo de compressão, o 3 está no tempo de ignição e o 4 está no tempo de exaustão. Desta forma, o motor está sempre gerando força, independente da volta em que está. Isso resulta em um motor que vibra menos e tem o som mais uniforme, além de favorecer RPMs mais altos.
O comportamento dos motores também muda muito. Um único cilindro de 500cm³ gera uma explosão muito mais forte do que 2 cilindros de 250cm². Porém, motores com apenas 1 cilindro possuem apenas uma ignição a cada duas voltas, enquanto um motor de 2 cilindros tem uma explosão por volta, favorecendo assim uma frequência de operação maior. E é por isso que geralmente os motores bicilindricos atingem RPMs maiores que os motores de 1 cilindro, e o mesmo ocorre ao comparar motores de 2 cilindros com motores de 4 cilindros.
Motores de um único cilindro geralmente são usados em motos que precisam de força em baixos RPMs, por exemplo, motos de uso off-road, onde o excesso de rotação dificulta o controle preciso da tração. Além disso, estes motores tem engenharia mais simples, e portanto, são mais baratos. Por isso a maioria das motos baratas tem este tipo de motor.
Já os motores de 2 cilindros são um misto entre desempenho em altas rotações com precisão em baixas rotações. Eles na verdade se saem melhor em regimes médios (entre 4 e 9 mil RPM). Os motores assim geralmente entregam elasticidade e bom torque nestes regimes, mas em altas rotações, eles simplesmente “acabam” e param de evoluir. São muito usados em motos custom, estradeiras (dual purpose e cruiser), e nakeds urbanas (como a ER-6n e a CB500). Quem já pilotou uma Suzuki TL-1000 ou mesmo a ER-6n, sabe como é divertida a pilotagem de um bi-cilindrico otimizado para o desempenho.
Motores de 4 cilindros se saem melhor em altas rotações, sendo particularmente “horríveis” em baixa rotação. Uma Hornet, por exemplo, só “acorda” depois dos 7 mil RPM. Mas em alta rotação, estes motores tendem a ficar cada vez melhores. Eles evoluem até rotações elevadíssimas, e geram muita potência nestes regimes. Por isso são os mais usados em motos esportivas.
Motos com motor de 5 cilindros não são muito comuns, mas existem. Como a RC211V, moto da Honda usada no MotoGP em 2002. Ela tinha um motor de 5 cilindros em V, oferecendo ainda mais potência do que as motos de 4 cilindros (em torno de 250 cv). Teoricamente, não haveria vantagem em incluir mais do que 4 cilindros em um motor, uma vez que cada um dos tempos já seria contemplado por cada cilindro e sempre haveria um cilindro no tempo de ignição, gerando força para o motor. Mas a verdade é que, devido ao anglo de abertura e fechamento da válvula de exaustão, o ciclo de ignição acaba “um pouco antes” do ciclo de ignição do outro cilindro começar, o que gera um pequeno “silêncio” no motor, momento este em que ele não está produzindo força. Numa configuração de 5 cilindros, é possível fazer com que um cilindro comece um tempo antes que o outro cilindro acabe este mesmo tempo, eliminando assim esse silêncio, e fazendo desta forma com que sempre exista um cilindro no tempo de ignição, gerando força para o motor initerruptamente.
Existem muitos outros fatores que determinam o comportamento dos motores, mas um dos principais é certamente a quantidade de cilindros. Mas como você pode ver acompanhando esta série, não existe formula mágica. É preciso entender TODOS os aspectos de um motor para poder imaginar como será o desempenho dele. Todos os fatores são ligados entre si e todos eles afetam o comportamento ao mesmo tempo.