Como funciona um seguro
Depois de postar a notícia sobre o aumento no DPVAT, e lendo os comentários deste e dos artigos anteriores sobre o mesmo seguro, eu percebi que muitas pessoas simplesmente não sabem o que é e como funciona um seguro!
Como eu trabalho para uma empresa que presta serviços para uma grande seguradora, acabei aprendendo muita coisa sobre o funcionamento dos mesmos, e acho que é importante saber como os seguros funcionam, para poder justamente entender o seguro obrigatório e os seguros facultativos.
A história dos seguros
A história dos seguros é um pouco longa, então vou tentar resumir: Antigamente, quando os mercadores transportavam suas mercadorias em caravelas, era relativamente comum que essas mercadorias fossem perdidas, por conta da navegação precária daquela época, ou por conta da ação de piratas. O prejuízo de ter um navio perdido era enorme, pois afinal, o próprio navio por si só já era um bem caríssimo e difícil de repor, e a mercadoria perdida também aumentava significativamente o prejuízo do mercador.
Então, alguns mercadores se reuniram para criar um “grupo” de transporte, onde a carga em cada navio era dividida, e cada navio levava uma pequena parte das mercadorias de cada mercador, de modo que todos os navios transportavam mercadorias de todos os mercadores. Sendo assim, caso algum navio fosse perdido, apenas uma parte da mercadoria de cada mercador seria extraviada, e o prejuízo assim seria menor para cada um deles. Além disso, se o navio também fosse perdido, eles compravam um novo em regime de consórcio.
Essa necessidade de “diminuir o risco” da atividade de transporte marítimo foi o pontapé inicial para a criação do mercado de seguros. Não levou muito tempo para que alguém chegasse a conclusão de que, se 10% dos navios que partem nunca chegam ao seu destino, então basta cobrar esses 10% dos outros 90% que chegam para que o prejuízo seja eliminado.
O que é um seguro?
O seguro é uma forma de garantir a estabilidade e a disponibilidade de um bem, como uma moto, um carro, uma casa, ou mesmo uma vida humana. Ele não foi feito para gerar lucro, mas sim para reduzir o impacto de um prejuízo em potencial. Os seguros sempre são feitos sobre modelos estatísticos, ou seja, através de um universo de segurados, é calculado o risco, e então, pode-se calcular o valor do seguro.
Um seguro é composto pelos seguintes itens:
Risco
O risco é o motivo pelo qual o seguro existe. O seguro serve para eliminar o risco de uma atividade. Por exemplo: Qual o risco da sua moto ser roubada? O risco é calculado por modelos estatísticos, que levam em consideração muitos fatores. No caso de roubo, por exemplo, é considerado o histórico da região, o tipo do local de pernoite, entre outros tantos fatores. O risco é sempre calculado para cada cobertura que o seguro trata, ou seja, o risco de roubo é diferente do risco de acidente, por exemplo.
Vigência
Todo risco deve ser calculado em um período, chamado de vigência. Por exemplo: Qual a chance de sua moto ser roubada entre 01/02/2010 e 01/02/2011. Quanto maior a vigência, maior o risco, e portanto, mais a seguradora vai cobrar para assumir esse risco.
Coberturas
As coberturas são os riscos que o seguro assume. Por exemplo, se você tem um seguro que cobre Roubo, Furto e colisão apenas, caso você bata sua moto em outro veículo, o seguro não precisa pagar o conserto do outro, pois ele não assumiu o risco terceiros. As coberturas de veículos geralmente são Roubo, Furto, Incêndio, Colisão e terceiros. Já nos seguros de vida, podem ser morte, morte acidental, morte violenta, morte por qualquer causa, etc. A diferença é, por exemplo, se você tem um seguro que cobre “Morte acidental”, mas você morrer em um assalto, o seguro não assumiu esse risco, e então, não terá de indenizar o beneficiário.
Capital segurado
O capital segurado é o valor que a seguradora tem que pagar ao segurado para cada cobertura que o seguro cobre. Por exemplo, se você tem um seguro que cobre o roubo da sua moto em 10 mil reais. Se a sua moto for roubada, este é o valor que a seguradora terá que lhe pagar. Mesmo que sua moto valha menos ou mais. Geralmente o capital segurado não ultrapassa 10% acima do valor do bem, para evitar fraudes. O capital segurado pode variar para cada cobertura, ou seja, pode-se ter valores diferentes para Roubo e para Terceiros, por exemplo.
Sinistro
O Sinistro é quando acontece o evento cujo seguro cobre. Ou seja, se você tem um seguro contra roubo, e sua moto foi roubada, então, há um sinistro. O sinistro é quando você avisa a seguradora que ela tem que lhe pagar o seguro.
Indenização
A indenização é o valor que a seguradora paga ao segurado quando há um sinistro. A diferença entre a indenização e o capital segurado é que, no capital segurado, é estipulado quanto será pago em caso de sinistro, e a indenização é o pagamento do sinistro de fato.
Prêmio
O prêmio, ao contrário do que muita gente pensa, é o valor que a seguradora cobra por assumir um risco. Muitas pessoas acham que o prêmio é o valor que a seguradora paga ao segurado quando há um sinistro, o que não é verdade, pois a isso damos o nome de Indenização.
Cada cobertura possui um prêmio, que é o valor que a seguradora ganha por assumir aquele risco. Por exemplo: Num seguro de moto, a cobertura de Roubo tem prêmio de R$ 100, de Furto, R$ 100, e de Colisão, R$ 50. No total, o valor que o segurado terá de pagar por este seguro é de 100+100+50, ou seja, R$ 250.
É do prêmio que sai o lucro da seguradora. Vamos supor que, para o risco de Roubo ou Furto, a seguradora receba R$ 500 de 1000 segurados, portanto, R$ 500 mil. E que o capital segurado seja de R$ 10 mil. E supondo que, ao final da vigência dessas apólices, apenas 2% delas tenham resultado em sinistro, ou seja, 20 segurados. A seguradora então teve de pagar R$ 200 mil em indenizações, e lucrou R$ 300 mil.
Franquia
A Franquia é um valor combinado entre o segurado e a seguradora, para que estes compartilhem um determinado risco. É muito comum em cobertura de colisão. Caso você se acidente e danifique o seu veículo, para que a seguradora pague o conserto, você deve contribuir com a Franquia, ou seja, um valor fixo que vai ajudar a pagar o conserto. Desta forma, as seguradoras conseguem reduzir a quantidade de “pequenos reparos”, pois na maioria das vezes o custo desses reparos é inferior ao custo da franquia que o segurado tem que pagar, então este acaba pagando do próprio bolso o reparo, sem acionar a seguradora.
E porque o DPVAT é igual para todas as motos, independente do seu valor?
O seguro DPVAT é obrigatório, e possui o mesmo valor de prêmio para todas as motos independente do seu valor de mercado (em 2011, será de R$ 279,25). Isso acontece porque o seguro cobre o mesmo risco para todas as motos, e esse risco é calculado sobre os mesmos valores de capital segurado e pelo mesmo universo de segurados.
É importante lembrar que o seguro DPVAT não tem cobertura de danos materiais. As coberturas são apenas para danos pessoais, ou seja, Morte e Invalidez parcial ou total. A vida humana não tem preço, mas na apólice do seguro fica estipulado o valor do Capital Segurado (que atualmente é de R$ 13.500 para Morte ou Invalidez Permanente Total). Portanto, em caso de sinistro, este é o valor que será pago.
Além disso, o DPVAT é um seguro “massificado”, ou seja, é um seguro criado para ser igual para um grande número de pessoas. Ele não deve levar em conta fatores como idade ou histórico de acidentes do condutor ou local por onde a moto circula. Desta forma, o risco é calculado usando dados de um grande universo, sem distinguir os indivíduos a fim de tornar o risco mais preciso e, portanto, diferenciar os valores dos prêmios. Desta forma, como o seguro possui menos variáveis de risco, a gestão do mesmo é mais simples, ainda que o risco não seja tão preciso e, portanto, o valor do prêmio não seja o mais justo para cada segurado.
Posto isso, pense bem: A probabilidade de eu atropelar uma pessoa é a mesma que a de você fazer o mesmo, não é mesmo? Se eu ando de Hayabusa ou de CG, tanto faz, pois o risco é o mesmo. E no caso de um sinistro, quanto a seguradora terá de pagar a vítima? O mesmo valor, independente da moto que o condutor usava. Portanto, se o risco é igual e o capital segurado também é igual, porque o prêmio seria diferente?
E os seguros facultativos?
Como o próprio nome diz, seguros facultativos não são obrigatórios, e portanto, a contratação deles é opcional. De fato, menos de 5% das motos no Brasil possuem seguros facultativos. Isso se deve, principalmente, ao alto valor dos prêmios cobrados pelas seguradoras. Nos carros, este índice sobe para mais de 50%. Os motivos são muitos, mas eu acredito que o principal motivo seja o valor do prêmio cobrado pelas seguradoras, que é elevado e incompatível com o valor dos bens. Um seguro que custa mais de 20% do valor do bem é, na maioria das vezes, inviável.
Fraudes
Os seguros são, freqüentemente, alvos de fraude. Por definição, um seguro é feito sobre um modelo estatístico, pois é necessário determinar o risco. Quando o sinistro é “forçado”, o risco não é mais estatístico, mas sim um risco certo. O seguro então seria inviável nestes moldes. Um exemplo clássico de fraude é quando alguém tem um bem valioso e por algum motivo o bem é danificado de forma que ficaria extremamente caro para consertar, e então o proprietário dá um jeito de “sumir” com o bem, e faz queixa de roubo, obrigando assim a seguradora a repor o bem, ou ainda, encenando um acidente com outro segurado, onde a cobertura para Terceiros seria acionada, evitando assim a necessidade de pagar a Franquia. Esse tipo de atitude contribui muito para elevar o valor dos prêmios, pois quanto mais sinistros o seguro tem, maior será o valor que a seguradora vai cobrar dos segurados.
No mercado de seguros de moto, o índice de fraudes é muito grande. Isso explica bem o motivo de os seguros serem caros.
Eu posso ter dois seguros para um mesmo bem?
Você pode ter dois seguros diferentes para um mesmo bem, desde que suas coberturas não sejam conflitantes. Por exemplo, você não pode ter dois seguros que cobrem roubo para a mesma moto. Se ela for roubada, você teoricamente poderia receber duas indenizações. Mas na prática, isso é proibido, pois os seguros não existem para gerar lucro ao segurado. Um seguro é, por definição, uma forma de eliminar um risco, ou seja, apenas amenizar o prejuízo.
A única excessão é com relação aos seguros de vida. A vida humana não tem preço, e portanto, não é possível estipular um valor limite para uma vida humana. Acontece que a seguradora pode decidir se vai ou não aceitar um risco. Vamos supor que um sujeito com renda mensal de R$ 500,00 queira fazer um seguro com a cobertura de morte, com capital segurado de R$ 5 milhões. É claro que um sujeito destes não está bem intencionado. O seguro de vida serve para que o segurado deixe uma quantia em dinheiro aos seus beneficiários, de modo que estes, sendo dependentes financeiramente do segurado, possam continuar suas vidas por algum tempo no caso do segurado se ausentar. O seguro não foi feito para dar lucro a ninguém, apenas para amenizar prejuizo, então não faz sentido uma pessoa fazer um seguro de um valor que ele não ganharia em toda a sua vida. A chance de um seguro como estes ter uma fraude é muito grande, então a seguradora simplesmente não assume este risco. Geralmente os seguros de vida possuem capital equivalente a 4 ou 5 anos do rendimento do segurado. Porém, nada impede que uma pessoa faça um outro seguro, em outra seguradora, cobrindo os mesmos riscos. Uma pessoa pode ter quantos seguros de vida desejar, o inconveniente é que ele terá de pagar mais prêmios, e em caso de sinistro, se houver suspeita de fraude (e geralmente há), as seguradoras podem se unir e negar o pagamento da indenização, o que geralmente causa uma grande disputa judicial que se arrasta por muitos anos.