Como reduzir o número e a gravidade dos acidentes?
É uma preocupação geral, e não apenas para quem anda de moto. Os governos municipais, estaduais e federal ultimamente estão aprovando projetos de lei um tanto controversos, e o assunto nunca foi tão quente. Projetos como o que proíbe as motos nos corredores entre os carros, o que proíbe o transporte de carona nas motos, o que proíbe que pessoas com habilitação recente (a permissão) trafeguem nas rodovias, ou o que as motos andem pelas marginais dos rios Tietê e Pinheiros, em São Paulo. A desculpa é sempre a mesma: Reduzir o número de acidentes. Mas será mesmo que estes projetos são a solução para o problema?
Vamos fazer uma analogia com a aviação. O texto é um pouco comprido, mas vale a pena.
Para pilotar aviões, existem basicamente quatro tipos de “habilitação”, ou Brevê: A de Piloto Desportista, a de Piloto Privado, a de Piloto Comercial e a de Piloto de Linha Aérea.
- A de piloto desportista (PD) habilita o piloto a voar em pequenas aeronaves e aeronaves experimentais, como ultra-leves, trikes e aviões monomotores sem instrumentos de rádio. Ela só permite ao piloto voar até 40 milhas longe do aeródromo de onde decolou, e só poderá pousar no mesmo aeródromo. O clima deve ser favorável e só poderá voar durante o dia. É o tipo mais simples de habilitação e só serve para quem quer voar por diversão mesmo.
Para ter esta habilitação, o piloto deve se inscrever numa escola de aviação filiada a Anac (agencia nacional de aviação civil – o CONTRAN dos aviões), fazer um exame médico e psicotécnico, ter 15 horas de vôo, e fazer uma prova teórica da Anac. - A de piloto privado (PP) habilita o piloto a voar em pequenos aviões monomotores e em helicópteros com motores a pistão (não a jato). Além de aprender a operar aviões (ou helicópteros), ele aprende sobre meteorologia, navegação, regulamentos, teoria de vôo e mecânica. Aprende também fraseologia e como usar o rádio e o transponder corretamente. Esta habilitação não permite ao piloto exercer atividade remunerada. Ele apenas pode pilotar seu próprio avião por lazer e em viagens privadas. Ele pode decolar e pousar em qualquer aeródromo ou aeroporto, e viajar para qualquer lugar que queira.
Para ser um PP, o procedimento é igual ao de PD, porém, são necessárias 35 horas de vôo, e ainda é feito um teste prático junto a um examinador da Anac. - A de piloto comercial (PC) habilita o piloto a voar em pequenos e médios aviões, mono ou bi-motor, e em helicópteros. Ele pode voar também em aviões médios e helicópteros com motor a reação (a jato), mas para isso é necessário um certificado extra. Para ser um PC, o piloto já deve ser um PP certificado. Ele fará um novo exame médico, bem mais rigoroso (ele passa 2 dias no hospital da aeronáutica, no Rio de Janeiro), e terá aulas de vôo por instrumentos (IFR) e teoria de vôo a jato. Para certificar-se, são necessárias 150 horas de vôo em aeronaves do aeroclube e 200 horas em aeronave particular, e é feito um teste teórico e outro prático pela Anac. O PC pode voar para qualquer lugar e exercer atividade remunerada, pode pilotar em empresas de taxi aéreo e pode transportar passageiros e carga comercialmente em sua própria aeronave ou aeronaves de terceiros.
- A de piloto de linha aérea (PLA) habilita o piloto a voar em aviões de grande porte, com várias turbinas a jato ou motores a hélice, voando regularmente em empresas de transporte aéreo. Para este certificado é necessário ser PC e ter 1500 horas de vôo, fazer um curso e mais testes na Anac.
Agora me diga: Quantos aviões caíram nas ultimas 24 horas? Certamente nenhum. Quantos acidentes de avião acontecem por ano no Brasil? Um ou dois, talvez três, as vezes, nem isso. Quantas pessoas morrem em acidentes aéreos por ano? O último acidente que tivemos notícia foi o do jato da TAM que não conseguiu parar na pista de Congonhas em São Paulo. Morreram quase 200 pessoas. Pois a quantidade de pessoas que morrem todos os dias vítimas de acidentes de trânsito no Brasil é de quase 100. Para se equiparar, teria que cair um avião a cada dois dias, o que certamente não acontece.
Porque isso acontece? Simples: Instrução, treinamento e fiscalização. Antes de tirar o pé do chão, o piloto de avião faz um curso que realmente ensina alguma coisa. Ele tem aulas com instrutores que sabem o que estão fazendo, a Anac está realmente preocupada em colocar bons pilotos no ar e então faz avaliações que realmente testam se o candidado a piloto tem capacidade de operar uma aeronave, e para pilotar aviões de grande porte, o piloto deve ser muito experiente e ter tido um treinamento de base realmente efetivo.
Como funciona com os carros?
- Você vai na auto-escola da esquina, paga 400 reais e decora as placas de transito;
- Faz uma avaliação teórica que só prova que você tem boa memória;
- Dirige por 15 horas (como se isso fosse suficiente pra você aprender a dirigir);
- Opcionalmente, paga uma propina para o seu instrutor, que será devidamente distribuída entre a auto-escola e o avaliador do DETRAN;
- Dirige em um local deserto com o avaliador do DETRAN ao seu lado. Mostrando que sabe andar em primeira marcha e que sabe usar as setas, estacionar na rua e que não matará ninguém nestas condições.
E com as motos? É igual, só muda a ultima etapa, onde em vez de usar as setas, você mostra que sabe se equilibrar.
E esta habilitação vai te servir para dirigir qualquer carro ou moto, de qualquer porte e cilindrada, para si próprio ou para os outros, inclusive comercialmente, transportando passageiros ou encomendas.
Tem mais um detalhe: Não existem “multas” na aviação. Se o piloto for contra qualquer regra da aviação, a sua licença será caçada e ele terá um trabalho enorme para obter novamente e poder voar (isso se ele conseguir, pois pode ser caçada definitivamente). A fiscalização é feita em solo, pelas torres e centros de controle, tudo pelo radar. Se um piloto de avião “passar na frente” de outro avião na hora de pousar, certamente, nunca mais sairá do chão pilotando um avião. Já com os carros e motos? Você está em um jogo onde o governo tem que te dar pontos e você deve evitá-los. Para isso, você fica procurando radares e fiscais de transito para evitar cometer infrações na frente deles. Mas em todo o resto do percurso, tanto faz se comete ou não infrações.
Percebeu a diferença? E a proporção entre acidentes aéreos e terrestres?
O que falta é INSTRUÇÃO. Falta que os órgãos competentes exijam e providenciem melhores níveis de instrução para os motoristas, falta mais fiscalização nas etapas do processo de formação de novos condutores, falta exigirem mais conhecimentos teóricos e técnicos, além de aulas e exames práticos mais abrangentes e similares a realidade do trânsito. Não adianta treinar uma volta na praça em primeira marcha e depois pegar a marginal Tietê lotada, ou pegar estrada junto com caminhões e ônibus em alta velocidade.
O condutor não sai da auto-escola sabendo dirigir, mas deveria. Não acham?